domingo, maio 20, 2018

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O casamento do século e o fim de uma era



Por Hermes C. Fernandes

O mundo está em polvorosa! E no meio desse fogo cruzado se encontra uma jovem americana afrodescendente divorciada que desafia o protocolo real britânico, casando-se com ninguém menos que o príncipe Harry.  Algumas feministas festejam o fato de ela ter se recusado a pronunciar o verbo “to obey” (obedecer) na cerimônia, e de ter decidido entrar sozinha na igreja. Ela prometeu amar, confortar, honrar e proteger o marido, mas não obedecê-lo. Outras acusam-na de haver traído à causa ao aceitar viver um conto de fadas, abrindo mão de sua privacidade, de seus perfis nas redes sociais, e até de sua religião, já que abdicou da fé católica para ser batizada na igreja anglicana. 

Rachel Meghan Markle não é apenas uma plebeia se infiltrando na mais poderosa família real do mundo. Nem é apenas uma feminista se aproveitando da cerimônia de seu próprio casamento para panfletar. Tampouco, apenas uma negra desafiando a supremacia branca. Nem ainda, uma divorciada quebrando um tabu, ou uma mulher desprovida de atributos físicos desdenhando dos padrões de beleza ocidentais.  Ela é bem mais que isso. Ela encarna os anseios dos oprimidos e excluídos do mundo inteiro. Ela é um sinal dos tempos. Uma Ester do nosso século. Ela carrega em seu DNA séculos de exploração. Uma agente infiltrada nas engrenagens responsáveis por perpetrar no mundo o machismo, o racismo, o imperialismo, o colonialismo, o sexismo, a moral vitoriana, etc.

A julgar por sua postura na cerimônia, há que se esperar que ela dê mais dor de cabeça à coroa britânica do que sua falecida sogra Lady Di. Meghan terá que assumir alguns deveres oficiais, o que inclui caridade e ações humanitárias, como fazia Lady Di esplendidamente. Mas isso não é novidade para ela, que já foi embaixadora mundial da World Vision Canada, uma organização que angaria fundos para ajudar crianças em situação de pobreza, foi conselheira do One Young World, uma instituição de caridade que agrupa líderes mundiais para criar mudanças positivas no mundo e trabalhou como defensora da Entidade para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres das Nações Unidas.

A razão pela qual preferiu entrar sozinha na igreja e não acompanhada de seu sogro se deve ao fato de que seu pai teria se submetido a uma cirurgia cardíaca, ficando impossibilitado de comparecer à cerimônia. Deve ter sido um choque e tanto para ele que é de origem irlandesa, ver sua filha entrando para a família que tem mantido a Irlanda sob seu domínio por séculos. Já sua mãe é afro-americana, nascida e criada em Los Angeles.  

A noiva fez questão de chamar o reverendo Michael Bruce Curry, conhecido por se manifestar pela igualdade racial e a favor do casamento homoafetivo. Como se não bastasse o sermão do pastor negro citando Martin Luther King, o violoncelista negro Sheku Kanneh-Mason, de apenas 19 anos, um coral gospel negro regido por uma maestrina cantando “Stand Bye Me”, escrita pelo artista soul Ben E. King dentro de um contexto segregacionista norte-americano nos anos 60, pela primeira vez na história as trombetas que anunciavam o início da cerimônia foram tocadas por mulheres.  Que representem a última trombeta que anuncie o fim de uma era prenunciada pelo mais célebre dos Beatles, John Lennon, responsável por eternizar aquela velha canção. 





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